08 setembro, 2011

Ideias Soltas Sobre o Teatro


Por: Cláudio Chinaski


Em um exercício com um grupo de alunos, pedi-lhes que buscassem formas de se representar, em cena, uma floresta. Eram três grupos. Em um pintava-se um painel com a floresta. No chão, folhas secas e um riacho de papel celofane. No outro grupo as árvores seriam de isopor. Havia também o riacho de papel celofane e bichinhos de pelúcia espalhados pelo palco e pendurados nas árvores. O terceiro grupo, de forma mais ousada, criou uma árvore surrealista, com rostos espalhados por todo o tronco, e uma rocha, ou melhor, um ator-rocha. Após várias discussões sobre o que realmente era essencial à cena, pedi-lhes que reduzissem seu cenário apenas ao necessário para, efetivamente, passarmos a idéia de uma floresta em cena.
           
O exagero cenográfico demonstrado pelos meus alunos apenas reflete e confirma uma idéia corrente de que no teatro devemos sempre tentar preencher todos os espaços vazios, sejam eles físicos como o palco, sejam psicológicos como nas pausas, com o máximo de cenário possível.  Por cenário podemos entender, inclusive, a música, a maquiagem e o figurino, bem como a iluminação.
           
A pesquisa teatral, ao longo deste século, busca cada vez mais, reduzir o teatro à sua essencialidade. Grandes diretores tentaram, de uma forma ou outra, direcionar o palco, ou melhor, a cena teatral, já que em muitas correntes a própria idéia de palco é abolida, para o encontro entre público e ator, ao vivo, no instante em que o ato cênico se realiza. Sem este encontro não se pode dizer que se fez Teatro.
           
Mas esta pesquisa, por mais séria que seja, restringe-se apenas a grupos praticantes das artes cênicas, e nem mesmo a todos os grupos. O grande público continua recebendo sua informação artística através da televisão e do cinema, e ao se deslocarem ao teatro, esperam ver em cena situações próximas daquelas que lhes são mostradas por estas outras duas formas de arte.
           
Diante de um mundo que se transforma cada vez mais rapidamente, onde fronteiras físicas cedem lugar a livres mercados e a própria idéia de realidade vem sendo reformulada diante de conceitos como realidade virtual, engenharia genética, entre outros, talvez caiba, mais uma vez, a discussão sobre a real função do teatro neste mundo multimídia que tanto nos fascina. Após mais uma virada de milênio o Teatro continua existindo, produzindo seus espetáculos e questionando constantemente o mundo em que vivemos, contrariando todas as teorias de que, primeiro o rádio, depois a televisão e o cinema, e atualmente os info-entretenimentos acabariam por extingui-lo.

          O Teatro não foi extinto, mas é certo que perde público e mão de obra a cada dia que passa. Por que isso e como redinamizar e inserir novamente o Teatro na esfera de vida de cada pessoa? E por que é importante fazê-lo?

A mediocridade reinante no mundo artístico nos diz que devemos dar ao público aquilo que o público quer. Mas o que o público quer? Pelas enormes filas nas portas de teatros que exibem peças encenadas por atores famosos da televisão, somos levados a crer que o público deseja aquilo que lhe é familiar, ao vivo e o mais perto possível. O Teatro seria, deste modo, um canal que possibilitaria ao público acesso real aos atores que só existiam dentro de suas telas de TV. E, por outro lado, é cada vez  mais comum vermos  atores buscando  o Teatro como forma de ingressar na televisão.

 Cabe lembrar que, em sua infância, a televisão foi buscar no rádio e no teatro os grandes nomes que lhe deram vida e garantiram esta existência quase eterna que goza hoje em dia.
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Mas se esquecermos, por momentos apenas, de um lado o público que busca no palco seus ídolos de tela e do outro os atores trampolinescos, ainda teremos uma parcela de público que vai ao teatro e de atores e diretores que fazem teatro. O que os motiva? O que os une ou separa e, principalmente, o que faz com que busquem um ao outro? O que o Teatro tem a oferecer a atores e público que já não é suficientemente oferecido pelos meios de comunicação existentes hoje em dia?

A internet e todo o aparato tecnológico que nos rodeia possibilitaram visitar, virtualmente, os mais distantes locais da terra ou mesmo assistir, na comodidade de nossas casas, espetáculos musicais e teatrais. Diante deste cenário fico a imaginar o que faz com que uma pessoa deixe estes aparatos tecnológicos e se desloque, em meio a cidades cada vez mais violentas, até um Teatro.

Não é difícil imaginarmos alguém dizendo: “Ora, se já temos tudo filmado minuciosamente, e já que ninguém mais vai visitar o Pantanal, já que podem vê-lo melhor e em mais segurança por seus telões de alta definição, por que não destruir tudo e construir ali um complexo industrial?”. 

Vivemos próximos do momento em que o próprio conceito de realidade passará a ser virtual. Onde a coisa representada se tornará superior à coisa em si mesma. Um espetáculo com atores holografados será um espetáculo teatral? A irrealidade da cena, com seus cenários, figurinos e iluminação tentando penetrar no âmago da realidade, satisfará a sede de virtualidade deste público que se cria e se consolida nos dias de hoje?

Diante do realismo cinematográfico e televisivo, o realismo teatral parece brincadeira de criança, com árvores que não são árvores e escritórios de três paredes, com livros que todos sabem falsos e escadas que tremem quando se toca nelas. Ao tentar competir com o cinema e a televisão, o teatro se vê como um time de futebol amador enfrentando o Grande Campeão: pode até ganhar, mas será sempre uma zebra. Mas se a linguagem realista não é a linguagem teatral por excelência, qual será então?

As perguntas se sucedem em um ritmo cada vez mais frenético, e a única resposta que me vem à cabeça, agora, é que o Teatro necessita, talvez com uma urgência que nunca foi vista em toda a sua história, reencontrar seu lugar no contexto deste mundo globalizado em que vivemos. Não se trata como querem alguns, de se definir a função do Teatro, mas sim o seu sentido, sua identidade e sua organicidade.

Já se disse, não foram poucas vezes, que o diferencial do Teatro está no encontro, ao vivo, que ele pode proporcionar aos seres humanos. Mas que tipo de encontro se faz necessário hoje em dia? O que busca este ser humano que busca o Teatro? Como ele quer ser tocado? De que forma? Quais são as perguntas fundamentais de nosso tempo?   E como encená-las?

O perigo por que passa o Teatro atual, com suas inúmeras crises de identidade, sua busca desesperada por formas que compensem a ausência de substância, abre a grande oportunidade que temos de repensar e redirecionar novamente o teatro, para que nossa arte viva neste novo século carregada de símbolos que pavimentem o caminho da humanidade rumo a um futuro que muda a cada instante.

Inúmeros exemplos nos têm sido apresentados, principalmente do Teatro Oriental, com sua grande carga de simbolismo e de signos, que remete o Teatro à sua forma primitiva, ao mesmo tempo ritual e humana, retomando ao inconsciente coletivo da raça humana e dele tirando o seu material de trabalho.

Mas este tipo de teatro também tem perdido público e seu alcance não é o mesmo de 50 anos atrás. Os deuses já não cavalgam o trovão e o raio e os grandes mitos são utilizados apenas para fazer dormir as crianças.

Ao nos separarmos da natureza e de suas manifestações, rompemos uma tênue barreira que separa os opostos, como se cortássemos um cordão umbilical, e nossos deuses já não são as tempestades, o sol e a lua. Criamos para nós novos mitos, e nossos fantasmas agora são a energia nuclear, os códigos genéticos, as viagens espaciais e as novas promessas em infocomunicações. Mas aquela sensação de que ainda nos falta algo, de que as verdadeiras perguntas ainda estão longe de serem respondidas continuam em nós, e às vezes, tarde da noite, quando desconectamos nossos computadores daquela rede que nos embala com amizades e passeios virtuais, sentimos a mesma inquietude do homem que, há milhares de anos, olhava as estrelas e sentia a pequenez de ser homem em um mundo onde tudo parece ser maior e mais permanente que nós.

Se as perguntas são as mesmas, parece ter mudado a forma de se perguntar, e é neste rumo que o Teatro pode reencontrar o seu caminho: recolocando no palco as questões humanas, de forma que, frente a frente, atores e público possam se deixar fascinar pelo mundo em que vivem, pois se o mundo é uma ilusão, como afirmam alguns, então o Teatro, ao representar este mundo, torna-se a suprema ilusão, a ilusão da ilusão, e o que nos resta é continuarmos perguntando, cada vez da forma mais precisa possível, até que, talvez, a pergunta se torne novamente sem sentido e novas formas de questionamento devam ser propostas.

Não me parece que o Teatro exista para apresentar respostas, mas para ser um poderoso canalizador de perguntas. Perguntas que só podem nascer no interior de grupos voltados de modo quase devocional a esta arte que desafia modernidades e que, de um modo ou de outro, parece ser presa do Tempo e refém da Eternidade.  
   
Vejo a atuação destes grupos que se recolhem em busca de espaço e tempo para a pesquisa cênica, e lembro sempre dos mosteiros. Existem grandes nomes do Teatro moderno envolvidos no que se chama de Teatro sagrado. Para mim todo Teatro é sagrado, pois é vida: vida de quem o faz e vida de quem se faz através dele - as personagens. Tento crer que a busca por uma espiritualidade mais rica e profunda seja nossa grande revolta contra o comercialismo que impera a nossa volta. E, neste sentido, parece-me que o Teatro pode vir a ser a grande liturgia de todos os tempos, onde não falaremos mais de deuses, mas de seres humanos. Mas até isto me soa velho...

...como o Teatro. 

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