30 março, 2012

Poesia e Vinho convida Maria Lúcia Dal Farra: um projeto onde mais do que exibição de poemas, temos a oportunidade de ouvir a voz do poeta!



Dizem que poesia e música nasceram juntas através do canto, mas depois se separaram, quando foi descoberto que tanto as palavras quanto os sons possuíam belezas próprias. Às vezes, algumas pessoas vêm ao mundo para relembrar-nos dessa união primária. Este é o caso de Maria Lúcia Dal Farra, poetisa que abre o Poesia e Vinho de 2012. Cotada entre as grandes damas da atual poesia brasileira, a paulista de Botucatu formou - se em letras e música na mesma cidade em que nasceu, mas iniciou sua carreira de crítica literária pela USP. Depois partiu para França e Portugal, onde concluiu dois pós-doutorados. Lecionou e participou de congressos em diversas partes do mundo, mas radicou-se em Sergipe, quando trocou seu estado natal por uma paixão avassaladora. Publicou e organizou dezenas de livros, dentre eles pesquisas importantes, consequentes de seu estudo sobre destacados poetas portugueses como Florbela Espanca e Herberto Helder.

Seu primeiro livro de poemas foi lançado em 1994 e intitulado, Livro das Auras, mas foi em 2002, com o Livro dos Possuídos, que a poetisa arrancou os mais célebres elogios da mídia. Hoje Maria Lúcia vive no interior do Sergipe numa casa, dizem, assombrada, em companhia do marido, também escritor, Francisco Dantas e de mais uma centena de gatos. Já se aposentou pela Universidade Federal de Sergipe, mas mantém o vínculo com o CNPq, por ainda ser uma pesquisadora ativa. Prova disso é sua presença no corpo editorial de diversos periódicos científicos pelo Brasil.

Para apresentar nossa convidada ao público brasiliense, o Mosaico preparou uma pequena entrevista com Maria Lúcia Dal Farra, onde ela conta um pouco sobre sua relação com a poesia, com a mídia e com a vida. Leiam!

1. Ao que me parece, sua vida esteve sempre rodeada pela poesia, principalmente se levarmos em conta que poesia e música são artes que nasceram juntas. A pesquisadora nasceu então como forma de sustentar a poetisa, ou foi pela pesquisa que você se descobriu poeta? 
M.L. Parece que tudo se juntou em algum momento na minha vida sem que eu me desse conta (ou então isso já estava escrito nas estrelas e eu fui sabendo pouco a pouco). E parece que um fragmento desses não podia mais viver sem o outro a partir de um certo instante. A pesquisadora não atrapalha em nada as outras, como cheguei a supor um dia  –  mulher é assim mesmo, sempre plural. E a pesquisadora aconteceu por derradeiro. Ocorre que um desses meus pedaços sempre me pediu mais e, como não pôde ser, teve de ficar pra trás, deixando um buraco no meu coração. A música.
Muito embora ela esteja em mim, entranhada na minha carne e no meu ser, carne do meu próprio espírito e espírito da minha carne, não posso mais exercê-la como quero. Fiquei manca da voz e das mãos: não me atrevo a cantar mais ou a tocar o meu piano ou o meu violão – pelo menos em público, que é como quem diz - para ninguém. Sozinha, na roça, ainda canto uma ou outra coisa ao piano, e ainda tento rememorar partituras antigas que me fugiram da memória e dos dedos. Virei um grande fiasco. 

2. O ritmo de seus versos já foi bastante elogiado pela mídia em geral. Essa é uma preocupação estética ou algo inerente a sua personalidade? 
M.L. Penso que o ouvido interno predomina sempre em mim e em qualquer circunstância; já veio impresso na receita de mim. Aliás, até uma conversa pode ou não ser afinada, harmônica, atonal ou mesmo dodecafônica...  Quero dizer: tenho sempre a revelação do som e do ritmo dela, do seu encadeamento ou não, dos seus acordes e etc, e do sentido disso enquanto me comunico com alguém, quando estou compartilhando algo, quando escrevo, afinal. E é uma sorte, uma dádiva, porque isso me rege na poesia e, nela, é fundamental. Sei só que essa percepção me é muito antiga. 

3. Qual a matéria prima para a composição dos seus poemas?
M.L. Não há matéria prima clara. Tudo é mesa para a minha poesia, qualquer sinal, qualquer naco de nada. Sempre há uma alguma alma apertada dentro de qualquer coisa que habita o mundo, pedindo socorro (ou sou eu mesma que grito), e só tento ouvi-la e escrevê-la (atos mui diversos entre si, aliás). Porque a poesia se faz com palavras e dentro de uma tradição literária que é só dela.  E há movimentos íntimos dentro das palavras, quando se põem umas diante das outras (o Breton dizia que elas faziam amor), e disso sai um fogo que se ateia gerando sempre uma outra e outra e outras e assim por diante, num processo incessante e inesperado, que não sei para onde me leva, pois que fico à mercê delas, tentando botar ordem no pedaço... O poeta é aquele que segue esse facho ou essa luz, creio eu.
Bem, mas retomando o que dizia antes e que dá ideia do mundo enquanto ressoar enigmático, vida presa, burburinho misterioso num iminente regime de despertar -  não quero dizer com isso que o poeta é um desencantador de objetos (de serpentes?); no meu caso isso ocorre (e eu não quero conhecer o príncipe dentro do sapo, mas o próprio sapo) como também acontece de outras muitas maneiras, e mesmo a contrapelo do objeto. Também tenho mania de mãe (que nunca fui biologicamente) e penso que posso comportar tudo no meu ventre... e parir de novo o mundo. Dá para acreditar?!
Agora mesmo, dormi na casa do Pessoa, no quarto dele e na cama que era dele, e tinha de escrever algo sobre ele, para o livro que registra a passagem dos escritores por lá – é um programa que a instituição portuguesa “Casa Fernando Pessoa” pôs em prática há alguns meses, através da Inês Pedrosa. Ora, eu não queria narrar a minha própria experiência de orgia poética com o Pessoa porque foi muito pessoal e privada, e precisei, então, inventar uma situação para produzir um poema. Daí, imaginei que a Florbela, que foi contemporânea dele, tinha muito a conversar com o Pessoa, e nunca teve essa oportunidade. Daí, fiz disso um longo poema de cinco fragmentos em que trato disso. Eu também me uso para ser outros, é verdade.
Da mesma forma, sou capaz de fazer um projeto literário que quero assim e assado, e cumpri-lo mais ou menos à risca. Mas também sou assaltada por algo que me obriga a escrever e que parece que já vem ditado. Foi assim, por exemplo, com o poema que escrevi sobre a morte do meu pai: comecei a chorar loucamente enquanto apenas registrava o que já estava pronto em algum lugar do meu ser e não sei há quanto tempo.

4. Qual a sua relação com a mídia? O poeta precisa necessariamente dela para se destacar ou caminha por estradas paralelas?
.L. Não tenho nenhuma relação direta com a mídia. Quando ela me procura, aceito sua solicitação sempre de bom grado, como aceito tudo o que me vem, com delicadeza e respeito pelo outro.
M
Mas é bem complicada a questão que me põe. A mídia é um dos componentes internos da produção poética, já que é ela quem me endereça ao leitor. Ou seja: se eu quero ser lida, preciso ter leitores. E como fazer para tê-los?! Preciso da mídia, portanto.
Todavia, tenho sempre de estar muito atenta a esse dado e de tratá-lo com muita cautela, porque os interesses mediáticos não são em absoluto literários, obrigando-nos a concessões que podem ser irremediáveis para o exercício do nosso ofício. A poesia, neste sentido, anda numa espécie de linha funâmbula, cuidando para não se desequilibrar e quebrar a cabeça.
A poesia (ou quaisquer artes) exige a inclusão em si do seu outro, do seu leitor – sem a existência dele o poema não se faz. E não esquecer que o leitor não é apenas passivo, mas é o seu interlocutor, ou seja: há uma troca, uma reciprocidade que está no princípio mesmo desse processo de escrita e que é o seu íntimo motor.  Na solidão, eu, no mínimo, converso com os meus pares, os outros poetas (vivos ou mortos), enquanto escrevo um poema: é do trabalho deles que nasce o meu. A literatura é antropofágica; a arte é canibal.
Eu sempre quis ter poucos leitores, mas que me lessem intensamente, que tivessem algum prazer nisso, e que a poesia concretizasse algum encontro impossível: a cultura de massa não é pra mim nem pra minha poesia – a não ser enquanto objeto para ela, quem sabe? 

5. Se você tivesse que aconselhar um jovem escritor, que conselho daria? 
M.L. Que ele lesse muito, muitíssimo, porque só assim pode escrever.


Poesia e Vinho:
Dia: 03/04/2012 – terça-feira – 20h00
Entrada Franca
Local: Teatro do Espaço Cultural Mosaico – SCRN 714/15 – Bloco: D – Loja: 16
Classificação Indicativa: 18 anos
Informações: (61)30321330



ESPAÇO CULTURAL MOSAICO -SCRN 714/15 - Bloco: D - Loja: 16 
Telefone: +55(61)30321330

“Este projeto foi contemplado pela Fundação Nacional de Artes – FUNARTE no edital Prêmio Procultura de Estímulo ao Circo, Dança e Teatro 2010”.

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